Bens tangíveis II

Da Thinkfn

(Esta intervenção surge na sequência do artigo Bens tangíveis, e se ...)

Esta manhã li o comunicado conjunto da CMVM/BP, e logo calculei que tal assunto estivesse a ser debatido num qualquer fórum virtual...

Foi assim que deparei com o vosso, que tenho estado a ler há umas duas horas e picos. Não sou investidor em coisa nenhuma, só invisto no meu trabalho, por forma a manter-me na frente! Sou avaliador oficial desde 1979, venho de uma família que há várias gerações está no ramo da ourivesaria, sendo avaliador das mais importantes casas leiloeiras do país - Cabral Moncada; Leiria & Nascimento e Palácio do Correio Velho (também fui da Dinastia, que está inactiva devido à idade avançada do Sr. Alexandre Fernandes, decano dos leiloeiros e antiquários portugueses).

Estas estórias de vigarices com "bens tangíveis" já são longas. Há 30 anos eram os diamantes de investimento, com cotações sempre a subir, como o ouro e a prata, até que tudo estoirou em 1980. Começou pela prata, que no dia 18 de Janeiro chegou aos 55 dollares a o­nça (hoje ficou a 8.80, mas em Janeiro de 2005 estava a 6.50!), o ouro a 850 - hoje a 545 - e os diamantes a preços estratosféricos... No dia 21 a prata caía para metade, o ouro quase outro tanto, e a queda continuaria, arrastando consigo centenas de empresas de "investimento". A célebre joalharia parisiense Chaumet até tinha um fundo de investimento clandestino, e depressa se viria a descobrir que um dos maiores depositantes era o ministro da justiça francês...!

Cá pelo burgo destacou-se, nos diamantes, a Diacor, do Sr. Granhão Vila Real, cônsul honorário da Libéria, que já tinha amealhado uns 6 milhões de contos até que a imunidade diplomática lhe ter sido retirada e ele seer detido no aeroporto de Lisboa, com mais um carregamento de pedras.

Na prata para investimento destacou-se um maluco, que punha anúncios no Diabo a vender barras a 300$00 o grama, quando o máximo histórico tinham sido 80$00. Dizia e escrevia que a "sua" cotação estava indexada a uma bolsa imaginária de Londres, ainda para aí tenho, perdidos entre milhões de papéis, essas deliciosas prosas a prometerem este mundo e o outro. No Porto também houve uma empresa de investimento em diamantes de que não me recordo do nome, mas lembro-me de o assunto ter sido levada à Assembleia da República por um deputado do PRD. O jornal Tal & Qual fez boas reportagens, que levaram ao fim de todas essas D. Brancas de calças e colarinho branco.

Quando, em Fevereiro de 2005, deparei, no Expresso, com um artigo do Manuel Posser de Andrade, um incorregível ignorante em matéria de investimentos em arte, sobre uma nova firma, de nome Afinworld, depressa levei as mãos à cabeça. Passo a transcrever a dita entrevista: "João Mesquita dá o exemplo real de um investidor português que aplicou €5300 num prazo de quatro anos e dois meses. Para este caso, a Afinworld, através da sua rede de especialistas, comprou uma peça com esse valor de mercado - neste caso um Relicário em prata portuguesa, com fragmentos de ossos (relíquias de santos) do século XVIII .

Atendendo ao montante envolvido e ao prazo acordado, a Afinworld garantiu ao investidor uma rendibilidade de 9,25% ao ano, perfazendo 37% ao longo dos quatro anos e dois meses.

Feitas as contas, depois da peça ser vendida novamente pela Afinworld, o capital final líquido recebido pelo investidor foi de € 7261.

http://www.cunhaealbuquerque.com/temporary/EXPRESSO.htm

Bom, o que se passa é que o dito relicário tinha sido vendido por nós, Palácio do Correio Velho, há uns três anos, por 1.000 euros. Era uma coisa feia, espanhola, com pé posterior, que hoje dificilmente subiria o preço base da altura, salvo erro 400 ou 500 euros. Mas a mentira não está só nas imaginárias operações de compra e posterior venda do dito, é que pela data a que foi levado a leilão ele ainda estaria de quarentena na Afinworld, com a agravante de que esta só existe há pouco mais de um ano!

Em Setembro estes senhores realizaram dois leilões em Cascais, o primeiro dos quais com uma taxa de lotes retirados que até fez lembrar a feira de antiguidades da FIL, em Abril de 74! O segundo correu um pouquito menos mal, e o terceiro e último, no Palácio da Bolsa do Porto, em Novembro, foi outro desastre, tanto pela qualidade das peças como pelos resultados. Quanto a ser uma empresa espanhola, presente em cinco países europeus, é tudo mentira. A morada de Madrid é um mero telefone automático, nunca por lá ninguém soube da existência destes senhores. Fizeram um acordo com a Fernando Durán, que também há alguns anos tinha querido fazer uma leiloeira em Portugal, conjuntamente com o Gomes da Póvoa e a Livraria Lello, do Porto. Ficaram-se pela foto publicada no Expresso, mais as promessas cantadas em coro com o jornalista de aluguer da altura.

Não restam as mínimas dúvidas de que aquilo é uma vigarice pegada. A Afinsa ainda é dirigida por um homem com cabeça, que agora está a tentar penetrar no mercado chinês, como forma de manter a sua operação pirâmide. Claro que aquilo também vai rebentar, até porque não estou a ver o governo chinês a dar facilidades a esquemas desta natureza.

Quanto às empresas "credíveis" que hoje estão no universo da Afinsa, elas são compradas com a mera finalidade de dar credibilidade ao projecto, e permitir engenharias financeiras que vão dando oxigénio à casa mãe.

Como a Afinworld deve estar para estoirar proximamente, o mesmo devendo acontecer com o Fórum Filatélico, o mais natural é a Afinsa nem com os chinocas se safar. O comunicado do Banco de Portugal sem dúvida que veio acelerar esta inevitabilidade. Tarde para muitos, mas a tempo para quem tenha dois dedos de inteligência.

Bons investimentos? Já dizia o Cupertino de Miranda, aos 92 anos, trabalhar menos de 12 horas por dia é criminoso!

Mas não há dúvida que muitas pessoas gostam de ser enganadas, mesmo depois de lhes escarrapacharem a verdade em frente dos olhos. Mas não é a isso que se resume a própria história da humanidade?!?

Claro que o investimento em Arte, com letra grande, é sempre um bom investimento a médio/longo prazo. A recente venda em Londres da colecção Champalimaud é o paradigma disso mesmo. Tive o prazer de assistir in loco a tal acontecimento, e a única conclusão possível é que a "velha raposa" até na arte sabia investir.

Aliás, quase todos os grandes banqueiros, desde os Fugger ou Vessels do renascimento, até aos Rothschild, Pierpoint Morgan ou Rockfeller, passando pelos nossos Burnay, Cândido Sottomayor, Ricardo Espírito Santo, etc, etc., foram grandes coleccionadores de Arte. Só que a arte que eles compraram e compram não é vendida em suaves prestações de €30 euros, como as serigrafias do Finibanco, ou os inesgotáveis "tesouros" propostos pelas edições Phillae e outros quejandos.

Fazer uma colecção é como criar um filho - leva tempo, dá trabalho, são fundamentais as boas companhias, os laços de amizade, e tudo o resto que não se vê nestes investimentos "chave na mão"! E com os fundos de investimento em Arte, propostos por bancos como o Banif, também é de fugir deles a sete pés... Começa logo por dizerem que se rodeiam dos melhores peritos, mas nunca mencionam o nome de um só! Se eu vos contasse as estórias porque tenho passado, ao longo de quase 30 anos neste negócio, nem iam acreditar! Mas os principais culpados são os próprios investidores - basta dizer que, no meu caso, e apesar de trabalhar para as empresas líderes deste mercado, não chega a meia-dúzia o número de pessoas que me consultam antes de efectuarem uma compra, mas esse número é infinitamente supeior em relação aos bens depois de adquiridos.

Com um único cliente, em dois anos já o fiz poupar cerca de 1 milhão de euros, tendo em conta os "barretes" que foram evitados e a baixa nos valores inicialmente pedidos. E este é um serviço que praticamente todos os peritos/consultores dão a título gratuito, sendo que vários dos peritos das leiloeiras que citei trabalham em regime de não exclusividade, dando assim garantias de imparcialidade. Só que o português tem a mania de ser "chico esperto", e gosta de comprar na convicção de que já sabe tudo e jamais se engana (aonde é que já ouvi isto...).

O mesmo se passa com os conservadores dos Museus, públicos ou privados. Aquando da polémica sobre o roubo das jóias da coroa, uma jornalista do Público fez uma séria de entrevistas. Eu lancei a ideia de se criar uma comissão de peritos para aconselhar na compra de novos bens, caso a Secretaria de Estado do Tesouro desse o dinheiro do seguro ao Instituto Português de Museus. Logo veio a conservadora do Museu Alberto Sampaio, de Guimarães, dizer que não senhora, não é necessária comissão nenhuma, "pois nós temos os nossos peritos". Ora uma coisa é ter um quadro de Drs. com muito currículo e muita teoria, outra coisa é recorrer a pessoas que estão dentro dos valores de mercado, que não são propriamente o campo de actividade dessas sumidades que nunca descem das torres de marfim em que vivem fechados.

Por tudo isto, lá continuamos nós a empobrecer alegremente, cantando e rindo. E esta situação jé é velha de séculos, veja-se o que aconteceu com o Damião de Góis no século XVI... Quando até o Banco de Portugal colocou nas mãos da Drexel Burham Lambert umas boas toneladas de ouro, com a promessa de churodos lucros, e depois ficou a ver o ouro a transformar-se em ar - 25 toneladas reduzidas a nada - ou as vendas efectuadas em 2005, todas antes de o ouro subir 20% a partir de Novembro, não me espanta que ainda haja muito boa gente a querer comprar selos como forma de garantir a reforma!!!

Como diria o outro, è a vida...!


Autor

Henrique Correia Braga, em 23/1/2006

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