Bens tangíveis, e se ...

Da Thinkfn

E se algo que está a ser apresentado aos investidores em geral como um investimento alternativo, em Bens Tangíveis, fosse algo de mais sinistro?

E se esse algo já tivesse captado mais de 5000 milhões de Euros, e no entanto existissem razões para duvidar da legalidade ou sustentabilidade do esquema?

É essa a dúvida que já andava no ar, e que agora encontrou mais força ainda num artigo recente publicado no Financial Times de 27 de Setembro de 2005, cujo texto se pode consultar no link seguinte:

Artigo do Financial Times sobre Afinsa e Fórum Filatélico


A Suspeita Inicial

Já há alguns anos que ouvimos falar em Portugal das propostas de investimento da Afinsa e da Fórum Filatélico. Essas propostas consistem num negócio em que o investidor compra um pacote de selos, com a garantia de este lhe ser re-comprado num ponto do futuro com uma taxa de rendibilidade pré-estabelecida. Taxa essa altamente atractiva no ambiente actual de baixas taxas de juro (cerca de 7% líquidos).

É aqui que começam a surgir as suspeitas. Esta taxa de rendibilidade garantida está acima da taxa a que estas empresas se poderiam financiar junto da banca se fossem tão lucrativas quanto dizem ser. Não faria portanto sentido terem todo o custo de estrutura e comissionamento para obterem uma taxa superior à que poderiam também obter junto de uma só entidade, sem estrutura nem comissões.

Além disso, outra duvida surgiu. O principal argumento de venda é a taxa de juro líquida garantida, e no entanto na publicidade isso raramente é referido, só se sabendo da mesma nos prospectos e em contacto pessoal. Isto mesmo podem constatar visitando os sites www.afinsa.es e www.forum-filatelico.es. Muitos argumentos, mas falta o principal ... a taxa de juro líquida garantida. Ora, é óbvio que esse é o principal ponto de venda. Porque o escondem?


Sem Regulador

A resposta começa a desenhar-se. A taxa de juro líquida garantida é escondida e só revelada pessoalmente, porque não querem ser vistos como um negócio financeiro (apesar de objectivamente a grande maioria dos investidores ali aplicar o dinheiro precisamente na mira de obter essa taxa de rendibilidade “sem risco”). E porque não querem ser vistos como um negócio financeiro?

Porque, tal como a CNMV explica no seu site, estes negócios presentemente não são regulados por ninguém! E, diga-se, não parece que queiram ser. (para ver esta advertência, ir a www.cnmv.es, e escolher “Advertências”, “Bienes Tangibles”).


Valorização

Mas, o que o artigo do Financial Times vem introduzir de novo, é que as suspeitas não se ficam apenas por aqueles pontos leves... não, o Financial Times parece ter descoberto algo mais. Especificamente, o Financial Times descobriu que a valorização do conjunto de selos atribuído por estas entidades aquando do investimento é fortemente díspar da valorização dos mesmos selos no mercado real, ou na generalidade dos catálogos filatélicos.

E o mesmo foi confirmado pela OCU (organização de defesa dos direitos do consumidor espanhola), e o mesmo foi ainda confirmado por inúmeros filatelistas nos mais variados sites de filatelia na Internet, como se pode constatar nas discussões para as quais ligamos abaixo:

http://www.ciao.es/Comentarios-sobre-Opinion__Forum_Filatelico_899939

http://www.agoradefilatelia.net/viewtopic.php?t=1838&postdays=0&postorder=asc&start=0 (discussão do Tema Europa, o­nde a Fórum Filatélico faz os seus “investimentos”. Notar particularmente a discussão a partir do final da 9ª página)

Ora, o que é que isto implica? Bem, implica que a principal garantia que estas empresas entregam ao investidor, os selos que supostamente valorizariam os aproximadamente 7% ao ano por contrato, na realidade valem muito menos. O que tem 2 consequências:

Se o esquema estoirar, o investidor perde 90% ou mais do seu investimento;

Por outro lado, a rendibilidade prometida é completamente impossível, pois para os selos atribuídos passarem do seu valor real ao valor “teórico”+7%, teriam que em alguns casos subir mais de 1000%!

Isto, leva-nos a outro ponto ...


A Contabilização

Pelo que o Financial Times conseguiu apurar, estas entidades não registam os montantes em dívida aos investidores no seu balanço como Passivo. E obviamente, também não registarão como Activo o valor dos selos. Assim, as responsabilidades para com os investidores são Passivo fora do balanço, e os selos destes são Activo fora do balanço.

Ora, como já vimos, os selos valem muito menos no mercado real, pelo que este Activo fora do balanço pode chegar a valer apenas 5-10% do seu valor teórico. No entanto, as responsabilidades fora do balanço mantêm o seu valor nominal. Ora segundo o Financial Times os valores das responsabilidades fora do balanço seriam de cerca de 1.2 Bilhões de Euros na Afinsa e 3.8 Bilhões no Fórum Filatélico. Se o activo fora do balanço representar 50% disso na Afinsa e 10% na Fórum (nos sites de filatelia discute-se que as tabelas da Fórum são muito mais exageradas), isso representaria responsabilidades fora do balanço líquidas de 600 milhões de Euros na Afinsa, e 3.4 Bilhões no Fórum Filatélico. (Estimativas).

O problema, claro, é que de situação líquida, em 2003 a Afinsa tinha apenas 40 milhões de Euros, e a Fórum Filatélico em 2004 tinha 288 milhões de Euros.

Ou seja, a fazer fé nestes números apurados pelo Financial Times, ambas estas empresas poderão já estar insolventes. Só falta a crise de liquidez que demonstraria esta teoria. O chamado “Bank Run”.

Diga-se que é comum (o CEO da Fórum Filatélico assim fez no artigo do FT) dizer que estas empresas estariam insolventes se os clientes todos quisessem levantar o seu dinheiro ao mesmo tempo, mas que os bancos também estariam na mesma situação. Ora, isto tem um quê de verdade, pois o activo de um Banco que suporta o seu Passivo (depósitos de clientes) não é realizável tão rapidamente quanto esses depósitos podem ser pedidos pelos clientes. Mas por outro lado, tal opinião obscurece um facto muito importante: SE for dado tempo a um banco para realizar o seu Activo, ele teoricamente consegue fazer face a todo o seu Passivo, porque o banco tem uma Situação Líquida positiva (um Activo superior ao seu Passivo).

Ora, isso NÃO acontece nestes esquemas filatélicos, porque como vimos, as responsabilidades fora do balanço EXCEDEM a soma dos activos fora do balanço com a Situação Líquida destas empresas. Ou seja, estas empresas nem que lhes seja dado tempo conseguem satisfazer a totalidade das suas responsabilidades. Elas falham “by design”, e estão dependentes de entradas de capital constantes de novos investidores. Exactamente como Charles Ponzi ou a Dona Branca (embora estes pagassem taxas de rendibilidade muito mais elevadas).


Dimensão do Mercado

Algo inevitável dada a natureza destes investimentos, é que as duas empresas citadas venderam 1.1 bilhões de Euros de selos nestes esquemas no último ano, as responsabilidades totais ascendem já a 5 Bilhões de Euros, e no entanto estima-se que um mercado filatélico desenvolvido como o do Reino Unido só tenha cerca de 52 milhões de Euros de transacções por ano. Obviamente, isso faria do esquema de investimento O MERCADO. Não existiria um mercado exterior para absorver os selos em caso de necessidade de venda.


Solvabilidade

Uma coisa interessante deste esquema, é que dado que as taxas prometidas são baixas em termos absolutos (cerca de 7%/ano), é que seria possível que mesmo se tratando de Ponzis lentos, estes esquemas fossem viáveis.

Para tal, bastaria que o dinheiro que é captado na venda do produto de investimento fosse aplicado em outros activos que gerassem uma rendibilidade superior à prometida acrescida de custos de distribuição e comissionamento.

Porém, e tendo em conta os números públicos citados pelo Financial Times, tal parece não estar a acontecer, pois as responsabilidades extra-balanço para com os investidores excedem largamente a soma dos activos extra-balanço (selos) a preços de mercado com a situação líquida destas empresas.


Conclusão

Todos estes dados apontam para que estas empresas sejam segundo a minha opinião, com elevada probabilidade, Ponzis (Donas Brancas) lentos e infelizmente, não regulados. Os números publicamente disponíveis, tal como apresentados no artigo do Financial Times, apontam para que os esquemas estejam já vastamente insolventes, sobrevivendo no entanto porque ainda não se produziu uma crise de liquidez.

No entanto, a minha estimativa é de que assim que se produza essa crise de liquidez, eventualmente motivada pela apresentação do esquema num jornal espanhol de grande circulação, estes esquemas finalmente estoirem. Tal como, de resto, já aconteceu a vários esquemas similares em Espanha, tais como a Gsell ou a Banfisa.

Além destas duas empresas, uma terceira embora não filatélica levanta também dúvidas equivalentes: a Arte y Natureza (que não sei se estará presente em Portugal).


Autor

Incognitus, em 6/10/2005

Comentários

Existe no fórum um tópico destinado a comentar este artigo:

Disclaimer

Este comentário é um artigo de opinião e nunca uma recomendação de compra ou venda. Alerta-se ainda que a compra ou venda é da responsabilidade do investidor bem como o lucro ou perda daí existente. O Autor pode ter, e provavelmente tem, posições nos títulos referidos neste artigo. Em caso de dúvidas, deverá o investidor procurar um intermediário financeiro, a Euronext, ou a CMVM.