Trading - Os inevitáveis

Da Thinkfn

Hoje, saiu uma notícia interessante. A Berkshire Partners (sem relação com o Warren Buffett) lançou uma oferta de compra sobre a National Vision (NVI), a $7.25 por acção.

Em que é que esta notícia é interessante? Bem, a NVI chegou a transaccionar a $0.10 no final de 2002. E $7.25 são 72.5X esse nível, em pouco menos de 3 anos.

Dirão que existirão outros papéis que também subiram 10X, 100X. Por certo que sim.

Mas a NVI é um daqueles casos raros que exemplifica o que eu chamo “os inevitáveis”. Basicamente, o conceito decorre de o mercado descontar como certo um evento que não é certo.

Normalmente, todos saberão que gastar dinheiro em lotaria é uma má aposta, porque a totalidade do dinheiro distribuído em prémios é sistematicamente inferior ao dinheiro gasto a comprar os bilhetes. Mas, partindo do princípio que os prémios seriam distribuídos pelos bilhetes vendidos (o que não é bem realidade, mas simplifiquemos), isto significa uma coisa. Existe um ponto (um desconto no preço do bilhete) a partir do qual faria sentido jogar na Lotaria.

Pois bem, o mesmo acontece no mercado de capitais, mas de uma forma ainda mais extrema. Por vezes, o mercado atribui uma probabilidade próxima de 100% a um evento de ocorrer, quando esse evento não é certo.

E se o evento que o mercado desconta for a falência, o mercado preça a acção com uma capitalização bolsista ridícula. Foi o que aconteceu a NVI, com vendas superiores a $120 milhões, e um Free Cash Flow bastante substancial, mas uma dívida pesada ($120 milhões) e um problema com a Wal Mart, fizeram com que o mercado atribuísse uma probabilidade próxima de 100% de a empresa falir. Como tal, a sua capitalização bolsista quando chegou a $0.10 era de somente $500 000 !!

Mas, neste caso devido à geração de Free Cash Flow da NVI, existia uma outra certeza: MESMO que a falência que o mercado dava como certa ocorresse, ela demoraria anos (mais de 5) a ocorrer.

Ora, o mercado não consegue “ver bem” a 5 anos de distância, logo o mercado nunca deveria ter atribuído uma probabilidade de quase 100% à NVI de falir. Porque muita coisa pode mudar em 5 anos.

E de facto mudou, mudou a gestão e melhoraram substancialmente a já boa geração de cash flow (além de a impedirem de cair como era previsível). O resultado foi a subida de 72.5X.

Agora, este fenómeno repete-se inúmeras vezes. Há uns anos atrás, foi na Corvis. A Corvis tinha a mesma capitalização bolsista da General Motors sem que ainda tivesse VENDAS! Ou seja, o mercado descontava com uma probabilidade de 100% que a Corvis, partindo do zero, seria mais valiosa que a General Motors no futuro. Mas pensem, qual a probabilidade de uma empresa, partindo do zero, ultrapassar em valor a General Motors? É MUITO menor que 100%, MESMO que à posteriori aconteça ser uma DELL, Intel ou Microsoft. À partida, é um erro apostar nessa certeza. Naturalmente, a Corvis caiu para 1/100 da sua cotação nessa altura.

E assim em diante. Em 2002 aconteceu também a Reliant Resources (RRI) transaccionar com um PER de 1, não obstante a maior parte do seu EBITDA vir de uma distribuidora de electricidade ao retalho (e portanto, ser estável). Qual a probabilidade de um PER se manter em 1 sendo que a probabilidade do EBITDA se manter é bastante boa? Pois. A RRI subiu mais de 12X desde então.

Serve isto para ilustrar a ideia: vale a pena olhar para casos em que o mercado está a preçar uma determinada empresa como sendo “inevitável” (probabilidade próxima de 100%) o seu sucesso avassalador ou o seu insucesso avassalador. E, olhando para esse sucesso/insucesso, verificar se a probabilidade real dele se verificar não difere substancialmente dessa certeza.

E claro, só meter dinheiro nos casos em que difere por boas razões.

Como curiosidade, a TASR no seu máximo descontava que iria vender pistolas de plástico a $1000 cada a todos os polícias Norte-Americanos, e que não teria concorrência a faze-lo. O que aconteceu? Nem vendeu a todos, nem ficou sem concorrência. E por isso caiu para 1/3 da sua cotação na altura.

Autor

Incognitus, em 26/7/2005

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